
O editor deste VOX LIBRE concedeu uma entrevista sobre o referendo do DESARMAMENTO ao OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA.
Quem quiser acessar diretamente a fonte (até porque há outras entrevistas defendendo pontos de vista contrários), é só clicar no link do título deste post.
Mas o teor apenas da nossa entrevista segue abaixo:
Em Cima da Mídia
Sexta-Feira, 23 de Setembro de 2005
Desarmamento: foco e ilusões
Dois debates suscitados pelo referendo sobre armas marcado para 23 de outubro são mais relevantes.
O primeiro é sobre o próprio mérito da proposta de proibição da produção e venda de armas em território brasileiro, o sim ou não.
O segundo é sobre a natureza da campanha que os dois lados desenvolverão até o dia da votação.
O Observatório da Imprensa não é o território adequado para a troca de opiniões sobre o sim ou o não.
Mas trabalha a segunda questão, em face da qual a mídia tem completa e insubstituível responsabilidade.
Realismo ou ilusão dependem agora em boa medida da maneira como a mídia, em especial a televisão aberta, e, claro, a TV Globo, vão cobrir o assunto.
Três entrevistas estão transcritas a seguir.
A primeira foi dada ontem, 22 de setembro, pelo delegado da Polícia Federal Antonio Rayol, contrário à proibição das armas de fogo.
A segunda, do deputado federal Raul Jungmann, foi feita hoje.
A terceira é do professor da UFRJ Michel Misse, feita também hoje.
Misse é partidário do sim. Mas adverte que é um dever das pessoas mais responsáveis lutar para que o movimento da proibição das armas não crie a falsa impressão de que a adoção de medidas legais vai resolver o problema da violência.
O delegado ANTONIO RAYOL, da Delegacia da Polícia Federal de Crimes Contra o Patrimônio do Rio de Janeiro, é contra o desarmamento.
Ele entrou no noticiário recente quando chefiou os policiais que prenderam Duda Mendonça numa briga de galos, no Rio de Janeiro.
Membro do Conselho Municipal Antidrogas do Rio de Janeiro e conselheiro do Instituto Brasileiro de Direito e Criminologia, Rayol fala em nome pessoal.
Ele acha que o resultado do referendo pode surpreender porque no interior não existe o mesmo antagonismo às armas de fogo encontrado nas grandes cidades.
O.I. - O senhor tem uma restrição a certas estatísticas.
Antonio Rayol - O cidadão que é bem-sucedido ao repelir um ladrão não vai à delegacia registrar a ocorrência.
A pessoa que está em casa dormindo, ouve um barulho no quintal, abre a janela, dá um tiro para o alto e espanta o ladrão não vai à delegacia contar o que aconteceu.
Quando essa discussão começou eu comprei um livro de um cidadão chamado John Lott, da Universidade de Chicago, More Guns, Less Crimes, parece que já foi traduzido [foi, em 1999, mas com uma interrogação que não tinha no título original: Mais armas, menos crimes?], ele tem umas conclusões que são fruto de dez anos de pesquisa, baseia tudo isso em números.
É claro que a realidade americana é diferente da nossa. Mas muitas das falácias estabelecidas com essa questão do armamento são iguais aqui como lá.
Ele desmonta muitas dessas falácias com números, com estatísticas.
(Em agosto de 2004 o site da BBC fez uma reportagem em que Lott defende seu ponto de vista):
Na Inglaterra, comprovadamente, onde fizeram um grande programa de desarmamento, depois os números da criminalidade têm aumentado, inclusive o número de “arrombamentos quentes”.
“Arrombamento frio” é aquele em que o cidadão invade uma casa tendo certeza de que os moradores não estão presentes.
“Arrombamento quente” é aquele em que ele invade a casa a despeito dos moradores estarem dormindo lá dentro. Porque se ele tem certeza de que as pessoas não têm arma, e ele tem uma arma, entra mais tranqüilo, porque sabe que tem uma vantagem.
Quando o criminoso, o mal intencionado, não tem essa certeza, pode ter dúvidas entre invadir ou não uma casa.
O meu falecido pai dizia que bandido gosta de facilidade. Se gostasse de dificuldade, ia trabalhar.
Quando eu tomei posse na Polícia, em 1977, fui trabalhar em Uruguaiana, que é uma cidade bem gaúcha, na fronteira tríplice entre Brasil, Argentina e Uruguai. A economia dessa cidade era baseada nas fazendas. Eu fui ao Banco Real pegar o meu primeiro pagamento e tinha um monte de gente armada na fila. Eram gaúchos vestidos com a roupa de trabalho deles, aquela roupa característica, e na cintura aqueles cinturões de couro que eles chamam de guaiaca com os revólveres espetados ali, aqueles revólveres Smith-Wesson, seis polegadas, aquela coisa bem antiga. Eu perguntei aos colegas da Polícia:
Como é que é isso? Eles têm porte?
E um colega antigo, gaúcho, disse:
Não se meta com isso, é a tradição local, aqui ninguém tem porte, todo mundo anda armado, mas não há problema nenhum na cidade.
E não havia mesmo.
Não se via nem discussão de trânsito.
Não se via assalto a banco.
Quem vai entrar no banco para assaltar se a fila está cheia de gente armada?
O.I. - Temos que buscar o conceito. Se extrairmos desse episódio um conceito aplicável a outras situações, ótimo. Mas aplicar a mesma coisa é totalmente impossível, inimaginável. Se o conceito é de que o bandido tem medo, isso pode ser resolvido com policiamento ostensivo, digamos, ou com uma rede de participação da comunidade, como na Inglaterra. A propósito, não sei como é a questão do desarmamento na Inglaterra.
Rayol – Houve uma campanha de desarmamento depois que um maluco entrou numa escola e matou um monte de gente.
Isso precipitou os acontecimentos.
Mas depois disso teve a história de um maluco que entrou numa igreja com uma espada e matou três, quatro pessoas.
O elemento da violência é humano.
O.I. - Tudo indica que o “sim” ganhará no referendo.
Rayol – Eu não tenho tanta certeza assim.
A visão que o brasileiro do interior tem da arma é outra, não é a do cidadão da cidade grande.
É muito comum no interior o sujeito ter uma espingarda de caça em casa, um revolverzinho.
A visão que o cidadão urbano tem, fruto da paranóia – não estou dizendo que é injustificada -, é diferente.
Pode haver uma grande surpresa.
O.I. - O “sim” pode ser vitorioso e isso não ter o resultado esperado?
Rayol – Em 1995, uma lei do [deputado] Miro Teixeira transformou porte de arma, que era contravenção, em crime.
Seria muito bom se se conseguisse reproduzir o clima de euforia quando aquela lei entrou em vigor.
Parecia que tinham abolido o câncer com uma lei. E não mudou absolutamente nada.
Tanto que foi necessária uma nova lei...
Pelo contrário, eles deram dois anos para o crime de porte de arma de calibre não permitido, logo depois veio uma lei do mesmo Congresso dizendo que o crime de até dois anos era de menor potencial ofensivo, não adiantou nada, o sujeito era preso e continuava sem ir para a cadeia. E agora nós já temos uma nova lei, mais rigorosa, e basta abrir o jornal todo dia para ver que não mudou nada. E não vai mudar nada.
Aqui é o único lugar onde existe o “relativismo jurídico”:
Vamos ver se a lei pega ou não.
Isso para não falar em como é diferente o relacionamento entre sociedade e polícia no Primeiro Mundo e aqui.
Lá se diz à criança: Se você se perder, chame a Polícia.
Aqui, a mãe, para não comprar um brinquedo, aterroriza a criança:
Se você não parar de chorar eu vou chamar o guarda.
É verdade que nos Estados Unidos, por exemplo, quando você disca 911 o que acontece é completamente diferente do que acontece quando você liga aqui para o 190.
O.I. - Voltando à campanha do referendo. Nós podemos sair da reflexão para uma campanha de marketing, que é o reino da superficialidade. Dos dois lados.
Rayol - A maioria da população das grandes cidades, amedrontada com os índices de violência muito altos, está vendo esse desarmamento como uma solução para o problema da violência urbana.
O problema não vai ser solucionado por essa via e em pouco tempo quem votar a favor do desarmamento vai ficar muito frustrado.
Quero deixar claro que não sou favorável à disseminação, ao uso indiscriminado de armas de fogo, nada disso.
Sou contra o desarmamento por uma questão muito simples.
Eu acho que o cidadão deve ter o direito de ter uma arma em casa se ele achar que deve exercer esse direito.
Sou contra cassar esse direito do cidadão.
Acho que pode ser feita uma grande campanha publicitária no sentido de que as pessoas não tenham armas, mas simplesmente suprimir do cidadão esse direito, eu sou absolutamente contra, e o que eu tenho visto através da grande mídia é que há uma propaganda maciça favorável ao desarmamento.
Está havendo um desequilíbrio na publicidade dos dois lados da questão, e acho que isso não é saudável.
O.I. - Quais seriam os caminhos para enfrentar a escalada de violência?
Rayol – Nosso principal problema é a falta de estrutura das polícias.
Acho que tem que haver um investimento pesado em polícia, em treinamento para os policiais, em boa remuneração dos policiais, em equipamento de última geração, investimento em inteligência. Aliado também, claro, a um combate sistemático e permanente ao problema da corrupção.
Enquanto não se trabalhar com seriedade em cima da questão policial não vamos ter solução para a questão da criminalidade nem a médio nem a longo prazo. Se começar a ser feito um trabalho agora pode ser que os resultados apareçam daqui a cinco, seis, sete anos. Mas eu não vejo nenhuma iniciativa nesse sentido. Pelo contrário. O que eu vejo é uma polícia mal remunerada, desmotivada, e isso gera toda uma espiral de problemas que impossibilita que se tenha um bom resultado numa política de combate à criminalidade.
O.I. - Qual é sua expectativa quanto aos argumentos, à maneira como vai ser conduzida a discussão sobre o referendo?
Rayol - A discussão se dá muito em termos passionais.
As pessoas que se pronunciam na mídia são pessoas que estão justificadamente amedrontadas com a questão da criminalidade.
Você vê muitas opiniões apaixonadas e poucas opiniões equilibradas e técnicas. Às vezes eu vejo que quem é contra o desarmamento até tem receio de expor suas opiniões, tal é o predomínio das pessoas que se pronunciam a favor do desarmamento.
Essa discussão tem sido conduzida de uma forma nada técnica, muito passional, e é por isso que eu acho que o resultado vai ser frustrante. Mesmo que o desarmamento seja vitorioso no referendo, em muito pouco tempo as pessoas vão se dar conta de que não mudou nada.
Não é o cidadão de bem desarmado que vai ser uma solução na questão da criminalidade.
O problema são os bandidos armados.
E o bandido armado vai continuar armado.
Não vai ser o referendo que vai fazer com que o bandido deixe de amedrontar as pessoas e causar esses problemas que nós vemos diariamente na mídia.