domingo, 28 de outubro de 2007

A lição de Montesquieu!

Em tempos em que se discute se a polícia carioca mata muito ou mata pouco, reencontrei este texto que publiquei no jornal O Globo, na seção de Opinião, página 7 da edição de 10 de junho de 2002.
Muito antes de existir este VOX LIBRE!
Como tem tudo a ver com o momento que vivemos, publico aqui:
"A LIÇÃO DE MONTESQUIEU
Em 1748, portanto, há exatos 254 anos, Charles-Louis de Secondat, Barão de La Brède et de Montesquieu, publicou o clássico DO ESPÍRITO DAS LEIS, leitura obrigatória de todos os estudantes de direito e de qualquer cidadão interessado em compreender como as leis interferem na vida do gênero humano e são imprescindíveis à manutenção do chamado mundo civilizado.
Num dos mais importantes trechos da obra Montesquieu ensina: “...que se examinem a causa de todos os abusos: ver-se-á que eles derivam da impunidade dos crimes e não da moderação das penas...”.
Significa que o que desestimula o crime é a certeza de que ele será punido, e não a severidade da pena.
Tal verdade explica porque a pena de morte (nos países onde é adotada), é incapaz de reduzir os índices de criminalidade.
A esperança é sentimento exclusivo do animal Homem e, excetuados os casos daqueles que delinqüem por paixão (arrastados por um momento de fúria incontida), aquele que se propõe cometer um crime para obter algum tipo de vantagem baseia sua decisão na razão, num cálculo de risco que resulta na certeza de que será bem sucedido em seu propósito e vai sair impune da empreitada.
Em um contexto como o nosso, em que está instalada a certeza da impunidade no imaginário coletivo (irrelevante discutir se tal impunidade existe ou não), confirma-se a assertiva de Montesquieu, pois que sem o freio constituído pela inevitabilidade do castigo, o crime campeia a despeito de leis cada vez mais severas, que não serão aplicadas porque o aparelho estatal mostra-se ineficiente na missão de investigar, apontar responsáveis e condená-los às penas devidas.
O sistema estatal de perseguição criminal integrado pela polícia, pelo ministério público e pelo poder judiciário deve ser capaz de identificar, julgar e condenar criminosos, dentro do mais absoluto respeito ao devido processo legal e ao Estado de Direito.
Em determinadas circunstâncias, a ação policial, em qualquer lugar do mundo (infelizmente), acaba por resultar em perda de vidas, seja de criminosos recalcitrantes ou de policiais obstinados no cumprimento de sua missão, mas a crença na política do extermínio deve ser banida para sempre de nossa cultura pois, se matar bandidos fosse solução para o problema da criminalidade, no Brasil em geral, e aqui no Rio de Janeiro em especial, já viveríamos no melhor dos mundos, vez que nossos policiais já vêm matando criminosos de há muito tempo, em situações em que a lei o permite e em outras que nem tanto, sem que os índices de criminalidade e a audácia dos bandidos sofra qualquer retração perceptível.
É por isso que me atrevo a escrever estas linhas, ousando discordar do meu amigo e colega da polícia estadual Delegado Wladimir Reale, que em artigo publicado no O Globo, intitulado “A Paz não comove bandidos”, afirmou que a polícia deveria ser “liberada para exercer plenamente o direito legal de matar em defesa da sociedade”, pois em minha modesta opinião isto já vem sendo feito há muito tempo sem que nosso problema de insegurança tenha sido resolvido.
A regra deve ser aplicar a lei e matar deve ser a exceção, não o contrário. Pôr fim à vida do criminoso deve ser o último recurso, o que os britânicos chamam de “opção zero”.
Criminosos cientes de que a prioridade policial se baseia na política do extermínio adotam medidas desesperadas o que acaba muitas vezes por vitimar policiais e cidadãos inocentes, o que não aconteceria se bandidos sem possibilidade de fuga tivessem a certeza de que seriam presos e não executados em uma espécie de aplicação informal da pena de morte.
Por outro lado, concordo com o Delegado Wladimir Reale quando ele se posiciona contra passeatas pela paz, com uma multidão vestida de branco. A mim parece um rebanho de ovelhas tentando convencer lobos a se tornarem vegetarianos, lobos que, insensíveis no seu propósito de rapinar, só se sentem mais encorajados a devorar quem esteja ao seu alcance.
Parece-me a prova inequívoca de que os cidadãos desta cidade perderam a capacidade de se indignar e aceitaram a triste convicção de que ser assassinado na próxima esquina é algo corriqueiro, fatal como um fenômeno meteorológico a respeito do qual o Poder Público nada pode fazer.
Acho aqui aplicável a alegoria do rebanho de ovelhas em que a lei é o cão pastor, e os lobos são os criminosos! O lobo é o predador das ovelhas e só o cão pastor é capaz de dissuadi-lo. Na ausência ou inoperância do cão pastor, as ovelhas estão irremediavelmente desprotegidas!
Também me surpreende constatar que em muitas dessas passeatas representantes do Poder Público vão à frente, braços dados a outras ovelhas, também vítimas das circunstâncias, como a assumir sua impotência diante de um inevitável fato da natureza, quando na verdade são responsáveis, direta ou indiretamente, por esse insuportável estado de coisas !
Belos discursos e frases feitas não vão resolver nossos problemas ! O Poder Público deve ser capaz de transformar a cidade em um ambiente hostil às ações de bandidos e não um cenário onde as ações criminosas se desenrolam com desenvoltura e ousadia cada vez maior:
Arrastões em túneis; falsas blitzes em avenidas movimentadas; ataques a delegacias, viaturas policiais e órgãos públicos; tiroteios diários entre traficantes rivais; roubos de toda ordem à luz do dia. ¿ O quê mais falta acontecer ?
Concordo novamente com Wladimir Reale quando ele propõe o luto ao invés do branco nas passeatas.
A população deve ir às ruas de preto, como quando provocou o impeachment de Fernando Collor, em passeatas pelo cumprimento da Lei, exigindo agora que o Poder Público garanta a segurança dos cidadãos como é seu dever, sem o quê seremos nada mais que um bando de ovelhas perdidas!!!

ANTONIO RAYOL é Delegado de Polícia Federal e doutorando em Ciencias Jurídicas y Sociales pela Universidad del Museo Social Argentino de Buenos Aires."

2 comentários:

Elaine disse...

Eu li esse texto antes.
É excelente como todos os outros.
Sds...Elaine

Alice disse...

Chega uma hora que até as avelhas se cansam ...